O Ateliê Terra Cozida está localizado no bairro do Rio Vermelho, num cantinho da rua Caetité, bem perto do borborinho, do bairro mais boêmio de Salvador.
Sou artista plástica e oriento aulas de modelagem com argila, utilizando técnicas individuais de trabalho baseados em estudos da minha especialização em Neuropsicologia. Desenvolvi metodologia e técnicas especiais, para trabalhar a transformação pessoal, partindo da valorização do ser humano. Com esse método de trabalho, tivemos o início da produção de peças artesanais. Essa produção cresce a cada dia e se espande, tomando espaços nas Feiras de Artes ou abastecendo o mercado turistico de algumas lojas em Salvador. Nasceu com isso, um pequeno grupo de trabalho, onde estão inseridas todas as pessoas, que chegam ao Ateliê seja com limitações ou não, que buscavam a arte como terapia e sentido para a vida. O grupo composto por pessoas com necessidades especiais de faixas etárias distintas, trabalham lado a lado e todos se interagem numa mistura saudável, onde as diferenças não atrapalham e até enriquecem ainda mais a criatividade e o bom relacionamento do grupo.
A minha busca pelos objetivos da arte como sentido da sua vida, tem início ainda na infancia nas figuras humanas dos desenhos, depois as pinturas, depois as esculturas na Escola de Belas Artes. Sempre retratei expressões de pessoas em diferentes contextos sociais, tiradas de moradores da rua, trabalhadores da construção civil, camponeses, como num grito de denúncia da insegurança e vulnerabilidade.
Seguindo esse estilo, procurava o sentido da verdadeira arte, enquanto me perguntava: qual o sentido de toda dessa herança artística? Os caminhos e as alternativas, vivenciadas ao longo da vida do artista eram apenas produzir, mostrar, produzir, mostrar ? Tudo isso era muito pouco, e essa rotina não me preenchia como ser humano, como parte da história na humanidade. Nas esculturas, as figuras pareciam estar vivas e remetiam a algo mais, que o barro pudesse dar. Não desejava apenas um nome conhecido, a fama, o glamour, obras que valem muito, como todo artista deseja e tem como meta. Insatisfeita e recolhida, no Ateliê, trabalhava compulsivamente, quando descobri a real clareza do sentido da "minha arte", a ferramenta poderosa, com a argila, quando chegaram os primeiros alunos especiais no Ateliê. A partir daí, foram chegando, uma depois a outra, sucessivamente... Estas pessoas que chagaram em minha vida, não entendiam o papel que representavam, nem porque estavam ali. Algumas, nem sabiam se estavam vivas... Essas pessoas precisavam ser modeladas.
Alguém me falou: "Eu pensava que eu era um bicho". Um choque. Quem já imaginou alguém se sentindo "bicho"?.
A partir daí, senti a necessidade de mudar. Precisava mudar aquelas pessoas e suas realidades. Estavam fora da sociedade, sem amigos, sem rumo. Evitadas na convivência até da própria família, porque tinham um comportamento diferente, pelo aspecto físico, abatia, depressão ou ansiedade ...
Fui moldando uma a uma, incansavelmente, nas suas necessidades, trabalhando cada limitação, passo a passo, com a utilização do barro... Elas responderam positivamente, começaram a trilhar caminhos cada vez mais amplos em suas vidas, com seus aprendizados. Inicia-se então, o espetáculo da vida, para uma platéia que acompanha esse progresso, muitas vezes com espanto ou surpresa. E muitos batem palmas, outros não entendem ... Não importa. O mais importante, é que as pessoas começam a perceber aquele indivíduo, que não conheciam. Esses indivíduos surpreendem de diversas formas, modificados, exibem-se.
Se tornaram peças que completam o jogo do quebra-cabeça da sociedade. Tomam o seu lugar, conhecem deveres e direitos. Hoje, pensam, determinam, aprendem, dividem e também respeitam.
A pergunta é: onde estavam estas pessoas? Porque não faziam absolutamente nada?
Estas pessoas, estavam escondidas por trás de uma casca imposta, que lhes tirava o direito à vida.
Encontrei num pequeno grupo, o grande e verdadeiro sentido da arte: a transformação de seres em "humanos". Estamos aqui, continuamos aqui e esperamos que sempre, de portas abertas para todos!
Dalva Bomfim
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