domingo, 16 de outubro de 2011

Quem Somos?

O Ateliê Terra Cozida está localizado no bairro do Rio Vermelho, num cantinho da rua Caetité, bem pertinho do borborinho, desse lugar mais boêmio de Salvador.
Sou artista plástica, dou aulas de modelagem com argila. Desenvolvi técnicas individuais de trabalho para pessoas especiais, técnicas estas, baseadas em estudos da especialização em Neuropsicologia. Seguindo uma metodologia individual, com o objetivo de atingir mudanças de comportamentos e a transformação pessoal, tendo como ponto de partida a valorização do ser humano.
Seguindo esse método de trabalho, surgiu um grupo de trabalho, uma pequena produção de peças artesanais. Essa pequena produção de peças, cresce a cada dia mais, tomando seu lugar no espaço nas Feiras de Artes ou abastecendo lojas do segmento turístico de algumas lojas. Nesse pequeno grupo, estão inseridas todas as pessoas especiais. Cada um, contribui como pode, dependendo da sua condição dentro do grupo. O mais importante nesse trabalho é a possibilidade da participação de todos. Dessa forma, aplico técnicas individuais de forma disfarçada, onde ao mesmo tempo, todos são incluídos, sem cobranças e de forma natural.
As aulas são abertas também, para outros alunos, profissionais de áreas distintas ou até mesmo pessoas da família de especiais, que buscam a arte como terapia e sentido para a vida. Dessa forma, o grupo no todo, interage, numa mistura saudável, onde as diferenças não atrapalham e até enriquecem ainda mais a criatividade.
A minha busca pelos objetivos da arte, como sentido para a vida, teve início ainda na minha infância, quando criava figuras humanas nos desenhos, nas pinturas, depois já adulta, na Escola de Belas Artes. Sempre buscando expressões fortes de pessoas, em diferentes contextos sociais, inspiradas em moradores da rua, trabalhadores da construção civil, camponeses, que se mostram, como um grito de denúncia da insegurança e vulnerabilidade da sociedade esquecida.
Tudo isso, me remete a um questionamento, sobre o sentido de toda essa minha herança artística.
Os caminhos e as alternativas que vivenciei ao longo da minha vida de artista, eram apenas de produzir, mostrar, produzir, mostrar, e, não me preenchiam. Tudo me parecia pouco, como ser humano, como parte da história dessa humanidade.
Minhas esculturas, pareciam estar vivas e me remetiam a algo mais, que o barro pudesse proporcionar. Um nome conhecido, a fama, o glamour, obras que valem muito, como todo artista tem como meta. Todas as expectativas me tornavam uma pessoa, cada vez mais insatisfeita, menos feliz.
Recolhida, na minha busca, no meu ateliê, trabalhava compulsivamente minhas esculturas, quando fui procurada, pelo primeiro aluno especial, através da mãe que buscava alternativas para o filho.
Este aluno chegou para mim. A partir daí, foram chegando outros, um depois outro, e mais outro e outros, sucessivamente.
Cada um tinha uma necessidade diferente, um contexto a ser trabalhado, a ser modificado. Se apresentavam com muitas dificuldades. Elas não poderiam continuar como estavam.
Pareciam me pedir: Olhe como estou! Socorro! Me muda! Me muda!
Como trabalhar, o que fazer? Como aquele grupo se formara? para mim, soava um chamado, um grito, uma convocação do ser Superior do universo.
Como não modificar? Como não mexer no que até então ,estava tão quietinho?!
Descobri a partir daí, a real clareza os objetivos da minha arte, o verdadeiro sentido da arte.
Eu dominava com tanta segurança, aquela ferramenta poderosa, a argila, para modelar gente!
E comecei as mudanças.
As pessoas especiais, não entendiam o papel que representavam para mim.
Elas também, não entendiam porque estavam ali. Algumas, nem sabiam se estavam vivas...
Essas pessoas precisavam ser modeladas. E eu vou modelando. Cada uma, cada uma...
Para se ter a ideia do que acontece na vida dessas pessoas, vou relatar o que aconteceu. Um certo dia, no decorrer dos trabalhos com o grupo, um comentário de um deles me deixou assustada. Por termos uma relação de confiança, eles ficam muito a vontade e conversar sobre coisas diversas e um deles me confidenciou:
"Eu pensava que eu era um bicho".
Foi um choque!!!  Quem já imaginou, alguém se sentir "bicho"?
Esse fato e muitos outros, vivencio todos os dias, por isso, defendo a necessidade da mudança.
As pessoas precisam ser mudadas, para que haja mudança em suas realidades.
Muitas pessoas especiais, vivem fora da sociedade, sem amigos, sem rumo. São evitadas, muitas vezes na convivência da própria família, porque as famílias não sabem como tratar, porque elas têm um comportamento diferente, ou pelo aspecto físico, pela abatia, pela depressão ou muita ansiedade ...
Seja qual for o sintoma, cada um, pode e deve ser moldado, trabalhado incansavelmente, nas suas necessidades, melhorando cada limitação, passo a passo.
Para isso utilizo no meu trabalho, defendo a utilização de técnicas individuais com o trabalho do barro, com muito respeito, com muito amor.
As respostas positivas acontecem quando existe a continuidade dos trabalhos, por terem lesões em determinada áreas do cérebro, defendo dessa forma, a capacidade do exercício contínuo recurso, do trabalho agindo na plasticidade cerebral.
A possibilidade é real, dessas pessoas percorrerem caminhos cada vez mais amplos em suas vidas, com seus aprendizados. Essa melhora beneficia  a todos da família porque o indivíduo começa a se tornar independente, nas suas tarefas diárias, antes difíceis executar. Começa a se cuidar, o que em muitos casos significa até sem ajuda.
Vivenciamos com esse trabalho, o grande espetáculo da vida, diante de uma platéia que acompanha esse progresso, muitas vezes com espanto ou até surpresa.
Muitos batem palmas, outros não entendem. Não importa. O mais importa é que todos começam a perceber aquele indivíduo, que antes, não conheciam.
E esses indivíduos começam a surpreender de várias formas. Modificados, exibem-se. Se tornaram as peças que completam o jogo do quebra-cabeça da vida em sociedade. Tomam o seu lugar, conhecem deveres e direitos. Pensam, opinam, determinam, e também aprendem a respeitar o outro.
A minha pergunta é: onde estavam estas pessoas? Porque não faziam absolutamente nada?
Essas pessoas, estavam escondidas por trás de uma casca imposta, que lhes tirava o direito à vida.
O grande e verdadeiro sentido desse meu trabalho com a arte do barro é a transformação de seres em "humanos"!

Dalva Bomfim
71  3495.3520 - 81258771



Um comentário:

Deborah disse...

Tia, ... que lindo ! Da ate vontade de chorar ao ler suas palavras. Não tenho muito o que dizer, sua vida ta ai, provando coisas que não podem ser colocadas apenas em palavras. Seu trabalho é admirável, tem sentido, tem amor, e ... é bom ! é tocante. Não é algo que precisa de mais uns retoques pra ser incrível. Que seus alunos peguem todo esse sentimento e se tornem pessoas mais incríveis do que ja são. Pra fazer arte tem de ser muito humano. ;)